Prólogo

É aquela velha história…
Vampiros fingindo ser humanos fingindo ser vampiros…

Mas a maioria dos missivistas estão mortos…
O Theatre des Vampires há muito desfeito… — Nada poderia ter sido tão maravilhoso como Arte e repugnante como Conceito Ideológico…
Os Antigos dormem, ou apenas perderam o interesse pelo que tem Substância Material… — Recuso-me a falar dos que enlouqueceram…
Os que se fizeram de Heróis, um dia, foram tragados por uma Escuridão de Dúvidas e abarcados pelo que se revela sem abandonar o seu Mistério… — O Desespero Silencioso é um dos acometimentos mais terríveis sobre qualquer tipo de existência.




Então eu não estou aqui para ser herói, ou qualquer coisa assim… Eu sou um Pretexto para a Poesia… foi assim que fui concebido… foi assim que consegui manter alguma Sanidade…
Não que eu seja imune aos Lépidos Desesperos Devoradores de Alma… mas eu sempre fiz de tudo para me manter em movimento, no fluxo das coisas, desde antes de ser entregue ao Irremediável Poder das Trevas… — um dia eu conto essa história…
É por isso que eu continuo… e vou continuar até que o Sol devore este nosso Planetinha, vocês vão ver. E se quiserem ver mesmo… bom… vão ter de implorar por uma mordida…

domingo, 10 de outubro de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte XV) — A História de Órion… (Parte VII) — O Caçador Menino…

— Vê! Eles vieram de Damaskus na Syria. Eu conheci um adestrador excêntrico, um tanto quanto místico demais, porém eu vi os seus métodos em prática e realmente funcionam! E vê! Esses cães mais parecem lobos!!!

— Bom, eu só conheço lobos por gravuras, mas se dizes…

— Hyron, eu sei. Estás pronto para partir com a expedição. Mas eu quero que faças uma coisa antes.

O jovem Órion, então, sorriu largamente apenas com um lado da boca:

— Caçar os malditos chacais!

Mikos não conteve uma boa gargalhada:

— Que ótimo que estás animado! Escolhe dois deles; um macho e uma fêmea, para que procriem.

— Syrius e Maera — disse apontando entre os vários cães, batizando-os. — Eles me escolheram! — sorriu ao pai. — Mas por que disseste que tal adestrador era excêntrico… e místico?

— Porque os cães vão te obedecer fielmente e intuitivamente… desde que carregues isto contigo! — Mikos deposita um saquinho de couro macio na palma da mão de seu filho.

— E o que há dentro disto?

— O adestrador não disse. Mas disse para que não seja aberto em hipótese alguma! — Mikos fez uma cara de divertimento estranha e depois de alguns instantes soltou os cães de suas respectivas jaulas.

Syrius sentou-se à direita do jovem Órion, e Maera à esquerda. Ele abaixou-se enlaçando ambos com os braços e acariciando-os esquivou das tentativas de o lamberem no rosto. Então correu como se criança ainda fosse, e de longe se virou com os cães latindo de excitação na corrida:

— Obrigado, meu pai!

Mikos permaneceu no meio do tempo, no meio da história, no meio daquela tarde ensolarada de uma ilha repleta de peculiaridades… Um escudo de bronze brilhava em sua mão numa ilha repleta de mistérios… Um escudo com marcas de dentes terríveis.



O que será que um pai pensa ao mandar um filho para a morte? Através dessa criação imaginética que Órion me proporcionava de seu passado, eu me agarrava em alguma cognição com receio de me perder em um tempo que jamais me pertencera. Pois eu não estava também sob aquele sol? Ah, poderosa mente vampiresca! Pedi secretamente que Rodin me fizesse estátua novamente. E Órion, quase rindo do meu vacilo, apenas continuou a sua história… … …



“Modelar uma estátua e dar-lhe vida é belo; modelar uma inteligência e dar-lhe verdade é sublime.”
[HUGO, Victor.]

domingo, 19 de setembro de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte XIV) — A História de Órion… (Parte VI) — Diálogo do Absurdo…

Ligeiramente hesitante em pisar a face de Diana, uma vontade quase autônoma me mantinha sem esforço algum a milímetros do solo; apenas uma languidez me puxava para baixo, — e talvez eu apenas esteja rebatizando a baixa gravidade… — eu poderia muito bem ser um bailarino impossível, com a ponta dos meus pés quase tocando o solo. Ao lado de Órion, então, eu nivelo meus ombros aos dele. Ele torna apenas a face para mim:

— Um encontro providencial das Trevas? Um encontro das Trevas… providencial? — …e às vezes nós temos expressões que os humanos desconhecem… — Às vezes me ocorre ser um erro confiar tais segredos a ti. Mas segredos são coisas dúbias na sua própria natureza, e querem tanto ser escondidos quanto descobertos… Saiba… acho incrível tu adorares a Deusa do Silêncio e ter uma mente e, principalmente, um coração que grita! Tu carregas a Natureza do Absurdo, Endímion…

— Ora, há quanto tempo não tenho tantas palavras bonitas comigo… Agora, se tem algo que nos conecta, certamente, é o sangue! Mas só nós mesmos sabemos o que a solidão é capaz de fazer conosco. Quero dizer… há tantas maneiras de ser forte… assim como de ser fraco… Talvez a nossa capacidade de sobreviver seja a nossa força mais absurda, enquanto que quantos de nós resguardamos uma humanidade quase incompatível com as nossas necessidades imortais; definitivamente nossa fraqueza! Somos todos Absurdos, Órion! Aposto que tu sequer sabes quanto tempo tem passado desde que fizeste destes abismos de escuridão eterna a tua morada… E se eu dissesse a ti que mais cedo ou mais tarde, mesmo que nossos milênios e nossos absurdos não possam mais ser contados, o Sol virá devorar a Terra e a Lua e o que estiver no caminho… Uma Estrela Vermelha Gigante! — eu gargalho no vácuo. — Onde está a Eternidade? O que é a Eternidade, Órion? E então tu utilizas a palavra providencial e a põe em interrogativa a mim!? Ah! Eu amo e odeio esse nosso mundo feérico… e às vezes eu não sei mais o que fazer!!! Que tenho eu além do agora? …de verdade! Diga-me!

— Toda a tua efusão é um deleite absurdo… Não seria uma fraqueza não teres medo disso? Demasiado humano; e tu não temes também? Tu és um prodígio, mas por que foges de tudo? Isso não te faz apenas um moleque? Toda essa tua altivez principesca de um mundo feérico do mal não te salva? Por que acho que tu criaste uma moral mais do que absurda para ti mesmo!?

Absurdo!, pois isso não existe! O que existe é a vontade! Absurdo!, pois essa vontade me aproxima e me afasta de tudo! Preciso tanto de companhia, como de solidão! Providencial… … … na minha mais completa solidão… esbarrar com um gigante milenar… acreditando que estaremos aqui para sempre… acreditando por acreditar… acreditando, por vezes, que nosso agora está 3.500 anos daqui.

Órion afinou os olhos, escondendo-os sob as espessas sobrancelhas, e continuou:

— …então meu pai disse: “Hyron! Eu quero que venhas comigo…”



“Parece um absurdo, e no entanto é a exata verdade, que, se toda a realidade for vazia, não haverá mais nada de real nem de substancial no mundo além das ilusões.”
[LEOPARDI, Giacomo. Zibaldone.]

“O homem é absurdo por aquilo que busca, grande por aquilo que encontra.”
[VALÉRY, Paul A.]

“O tempo em si é um absurdo: só existe tempo para um ser que sente. E o mesmo acontece em relação ao espaço.”
[NIETZSCHE, Friedrich W. O Livro do Filósofo.]

“Um sentimental é um homem que a tudo dá um valor absurdo e que não faz a mínima ideia do preço do que quer que seja.”
[WILDE, Oscar.]

“O absurdo é a razão lúcida que constata os seus limites.”
[CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo.]

“A solidão mostra o original, a beleza ousada e surpreendente, a poesia. Mas a solidão também mostra o avesso, o desproporcionado, o absurdo e o ilícito.”
[MANN, Thomas. Morte em Veneza.]

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte XIII) — A História de Órion… (Parte V) — As Abelhas do Conhecimento e O Mistério do Monte Dikte…

Órion levantou-se; uma montanha sobre os mares lunares. Ele ficou de costas para mim e cruzou os braços como se mergulhasse para dentro de si ponderando as coisas. — É incrível como ganhamos novas perspectivas quando contamos as nossas histórias! — Eu permaneci sentado — heroicamente sentado como se o próprio Rodin tivesse me posto ali — e Órion apenas começou a gerar as suas imagens que fariam chorar os historiadores e arqueólogos, enquanto eu resistia heroicamente a toda e qualquer beleza milenar:

— E foi isso que eu ouvi, palavra por palavra, mas como se elas viessem da superfície e eu estivesse nas profundezas da terra… Por que é que os oráculos devem soar tão ébrios, Nim? — Era a manhã seguinte do ocorrido na caverna.

— Porque senão não seriam oráculos, Hyron! E sim meros conselheiros — ela riu. — Mas, “E um dia A Deusa: será suplantada…”, será que isso tem a ver com esse novo Deus? Eu não deveria te contar isso, mas… — ela baixa o tom de voz — noutro dia eu estava abastecendo o incensário do Santuário de Dikte: Kato Syme [mapa], quando um enxame de abelhas invadiu o santuário. Se foi uma visão dentro de uma visão, eu não sei, mas, as abelhas voaram diretamente para a pira incensária e se imolaram mergulhando o santuário em uma densa fumaça que ardia os olhos como enxofre. Eu fiquei tonta, e o barulho era assustador do zumbido misturado ao crepitar das abelhas no fogo. Então todos correram da fumaça, mas ela estava em todo o lugar, mas eu estava sozinha no santuário, tudo aquilo era insano demais… Uma mulher, uma filha da Deusa, jogava uma pedra envolta em um manto vermelho dentro de uma ampulheta de areia, enquanto a própria Deusa acalentava, em um lugar oculto, uma criança com uma penugem prateada na cabeça. Então a ampulheta de areia fumegou e começou a expulsar pedras rubras, e a Deusa chorou um pranto tão ácido que matou quase todas as plantas onde as lágrimas caíram… Eu acordei sozinha e com uma sensação estranha de arrependimento que não era meu; o incensário ainda queimava algum incenso afogado pelas cinzas, cinzas demais…

— …

— Estão me esperando no Palácio de Knossos! Eu tenho que ir, Hyron. E toma cuidado; eu sei que vais voltar ao Monte Dikte assim que eu me for. — Ela se despede com um beijo na testa dele.

O jovem Órion cavalgou pelos campos até o vale do Monte Dikte na direção da Caverna Psychro. Vestia um colete de couro com tiras paralelas de cobre flexível que corriam do meio das costas passando sobre cada ombro até o peito, braceletes de bronze com revestimento interno de couro, sandálias com perneiras de couro, um kilt de tiras de couro e a sua espada de bronze na cintura. — Uma vestimenta bem avançada para a época. — Mesmo sem o porte gigantesco o jovem era carregado de alguma imponência — ou era apenas a imprudência jovial —, entrando na caverna sem qualquer receio e sem sequer sacar a espada, indo direto ao fundo da caverna, num silêncio completo, um brilho dourado o guiava. Alcançado o objeto: um escudo de bronze, ele deu uma boa olhada ao redor com a sensação de que havia ali algo mais do que sombras e rochas… “Um oráculo? Um Deus?”, ele pensa consigo. Mantendo o silêncio reverente ele saiu da caverna podendo observar à luz a riqueza de detalhes dos entalhes feitos no escudo, e o desenho de um labrys no centro. Havia uma impressão de já tê-lo visto antes, porém, um dos lados do escudo estava sulcado por marcas de dentes, o que o lembrou do ocorrido em Monastiraki.

De tarde, de volta a Vathypetro, o jovem encontra seu pai e seus irmãos de regresso, juntamente com parte da comitiva como de costume.

— Vejo que sair um dia de casa desarmado te deu uma lição melhor do que eu jamais poderia dar-te, meu filho! Estás indo à guerra, ou caçar chacais, Hyron?! — E gargalhou sacudindo os ombros do rapaz. — Nim me contou tudo… — mudando bruscamente para uma expressão séria.

Os irmãos mais velhos se amontoaram para pilheriar com ele, mas também o congratulando por ter salvo Nim.

— Esse escudo não é feito pelos artesãos de Monastiraki? — Mikos, o pai de Órion, apanha e examina de perto o escudo. — Não estás vindo do Monte Dikte? Como…

— Eu sei, pai… O homem que foi atrás dos chacais os seguiu até as Montanhas Brancas… São 130 Km de distância até o Monte Dikte! Se ele tivesse mudado a rota e ido atrás dos chacais até lá, alguém o teria visto por aí, sem considerar que isso é mais que um dia inteiro de caminhada sem descanso. Não faz sentido!

— Hyron! Eu quero que venhas comigo. Eu tenho uma surpresa para ti!

— …!!



“Nós, que somos homens do conhecimento, não conhecemos a nós próprios; somos de nós mesmos desconhecidos; e não sem ter motivo. Nunca nós nos procuramos: como poderia, então, que nos encontrássemos algum dia? Com razão alguém disse: ‘onde estiver o vosso tesouro, lá estará também o vosso coração’. Nosso tesouro está onde se assentam as colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre no caminho para elas como animais alados de nascimento e recolhedores do mel do espírito, preocupamo-nos de coração propriamente de uma só coisa — de ‘levar para casa’ algo. No que se refere, por demais, a vida, as denominadas ‘vivências’, quem é que dentre nós se preocupa a sério? Quem tem tempo para se preocupar? Jamais temos prestado bem atenção ‘ao assunto’: ocorre precisamente que não temos ali nosso coração — e nem sequer nossos ouvidos. Mas assim como um homem divinamente distraído e absorto em si mesmo acorda sobressaltado, quando o sino acaba de dar fortemente as doze badaladas do meio-dia, e pergunta a si mesmo: ‘que horas são?’, igualmente nós abrimos às vezes os ouvidos depois de ocorridas as coisas e perguntamos entre admirados e surpresos: ‘o que sucedeu conosco?’ e ainda mais: ‘o que somos nós?’, e depois contamos com atraso as doze badaladas de nossa vivência, de nossa vida, de nosso ser — ah! e nos equivocamos na conta… É que somos fatalmente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos de nos confundir com os outros, e para nós eternamente haverá esta lei: ‘cada qual é para si o mais estranho!; nem quanto a nós mesmos somos de qualquer forma conhecedores’.” *
[NIETZSCHE, Friedrich W. A Genealogia da Moral. "Prefácio. § I"]

* A construção desse texto é uma adaptação minha de duas traduções diferentes. Noto que algumas traduções das obras de Nietzsche acabam dispersando as imagens poéticas do texto original, ou por terem de diferenciar-se entre si devido à proteção por direitos autorais, ou pela inclusão do estilo do tradutor durante a transcrição do original. Infelizmente isso gera certa descontinuidade no fluxo do pensamento e acaba muitas vezes por roubar até uma imediata inteligibilidade do que está sendo dito.



A Deusa: O culto das Deusas, de maneira genérica, associa-se basicamente a três aspectos: psicológico, geofísico e econômico. O aspecto psicológico engloba a veneração dos antepassados pela geração materna — A Grande Mãe —, descobertas datam indícios de 300.000 a.C.. O aspecto geofísico está ligado à veneração pela natureza — a cor vermelha ou ocre, associado ao sangue menstrual e ao poder de dar a vida; a lua; as estrelas; etc. — O aspecto econômico está ligado à produção material: a sobrevivência da comunidade garantida pela abundância proporcionada pela fertilidade da terra.

Eu não deveria: Tudo o que se passava em um templo de culto à Deusa era tido como sigiloso e apenas se referia aos iniciados.

abelhas: Há uma associação com o mito do nascimento de Zeus, em que Melissa, ninfa que havia ensinado os segredos do Mel para as abelhas, também alimentou Zeus juntamente com a ninfa Amalthea. As duas eram filhas de Melissus, lider dos Kouretes, guardiões do infante Zeus. Provavelmente Melissus e Melissa eram mitos antigos da ilha, posto que o mel era uma iguaria, e esses mitos foram incorporados por alguns mitógrafos mais tarde ao mito do nascimento de Zeus. Uma provável origem desses mitos antigos da ilha pode estar ligado ao consumo de mel fermentado que se torna uma substância enteogénica.

labrys: Machado de duas cabeças utilizado no culto à Deusa. No período minóico os labrys eram empunhados apenas pelas sacerdotisas em ritos cerimoniais. De todos os símbolos religiosos da época esse era o mais sagrado. Encontrar um artefato desses nas mãos de uma mulher significaria que ela possuía uma importante posição social. Muitos foram encontrados no sítio de Knossos, alguns maiores que um homem, eram utilizados no sacrifício de touros. Neste ponto torna-se inevitável que eu amplie as diversas associações que derivam do tema do culto à Deusa e as mudanças que sofrem os mitos de deidades femininas com a ascensão dos sistemas patriarcais. No “Vaso de Perseu”, que está em Berlin e data de 570–560 a.C., há a seguinte cena pintada: Hephaestus, como no rito cretense, prontamente abre a cabeça de Zeus para libertar Athena, filha de Metis e Zeus, que havia sido engolida por ele para evitar que fosse destronado por seus descendentes que teria com certa mulher, como profetizado por Prometheus. Sobre o ombro de Hephaestus estava o instrumento que ele usara: o machado de duas cabeças. O instrumento mais comum utilizado por Hephaestus era a marreta de ferreiro de duas cabeças, então este simbolismo do machado é importante. Zeus engolindo a Deusa simboliza a progressiva supressão da crença nas antigas tradições matriarcais, simbolicamente destronando a Deusa, porém, ainda assim permitindo Athena nascer do próprio Zeus, devido à adoração da Deusa ser tão difusa e impossível de ser contida ou erradicada. Então quando associamos o fato de o touro ser um símbolo de Zeus — lembrar do sacrifício dos touros na Creta Minóica —, e o fato de Hephaestus, o deus do ferro, personificar um consorte da Mãe Terra em mitos mais antigos, fica claro o motivo de ter sido usado o Labrys para libertar Athena: uma manutenção do rito nessa transferência simbólica. No Oriente Médio e em outras partes da região, armas similares foram empunhadas por divindades masculinas e de alguma maneira elas se tornam um símbolo do raio (relâmpago e trovão). Exemplos são: o Deus Nórdico Thor e Indra. Zeus também empunhou uma arma de raios que ganhou dos Ciclopes como gratidão por tê-los libertados de Cronos; arma que havia sido escondida por Gaia, a Mãe Terra. Abaixo está um Labrys da era minóica.



Monastiraki: Ver: Admirável Mundo Novo… (Parte X) — A História de Órion… (Parte II) — Mistérios e Mitos Através dos Tempos…

130 Km: As medidas espaciais, de tempo, etc. eram, obviamente, diferentes das nossas medidas correntes e foram adaptadas no texto para facilidade de entendimento.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte XII) — A História de Órion… (Parte IV) — O Oráculo Dançante e A Dança dos Chacais…

O Oráculo dançante: “Há uma Dança que rege os ciclos naturais da Vida e do Tempo… Prestais atenção à sucessão de eventos que vós julgais ser de maior significância em dado momento… Quando A Dança, ela própria, oculta do Tempo a percepção longínqua da real efetividade de qualquer evento… Enquanto reinam O Senhor do Tempo e A Deusa Herdeira da Mãe de toda a Vida, na Era de Ouro, o povo jamais precisou de leis e qualquer imoralidade jamais se fez presente… Mas o Tempo que devora até as pedras pôde ser enganado! A Vida é mais astuta que o Tempo e engendra Deuses e Monstros… A Vida pode muito bem pactuar com a Morte! E um dia A Deusa será suplantada, e o Tempo no Coração dos Homens só quererá devorar a Vida… Um dia Onze serão Um, e esse Um carregará… … …” — a voz é brevemente substituída por um gotejar metálico, e então regressa em caráter de urgência — “…o Puro Espírito do Bebedor poderá andar sobre a Terra novamente se O Caçador quiser um sangue mais nefasto que o seu próprio… Porém, neste exato momento, há uma dança, uma das mais belas e perigosas já realizadas por qualquer dançarina… A Dança dos Chacais!”



Então houve a dissociação e eu não pude fazer nada, o tempo não era o meu… O jovem Órion tentava ser o mais rápido possível naquele terreno irregular e cheio de pedras soltas, enquanto Nim, sob uma chuva de Dittanys, tentava se esquivar e se proteger de um bando de chacais com a cesta das flores que carregava. O céu tornara-se rubro por detrás das Montanhas Brancas, aplicando um filtro dramático à cena que eu apenas pude observar. O cesto de flores foi arrancado das mãos de Nim e estraçalhado por três chacais, enquanto outros dois investiram pelo seu flanco esquerdo com mordidas rasteiras mirando os pés da dançarina que esquivava com uma graça que parecia não condizer com o perigo da situação. Ela olhou rapidamente ao redor buscando os cavalos que, como foram deixados soltos pastando, estavam um pouco longe demais para tentar uma corrida até eles. Ela também procurou por pedras, mas naquela parte gramada não havia nenhuma que pudesse ser usada. “Hyron”, ela gritou quando os chacais deixaram a cesta de flores de lado para terminar de cercá-la. “Hyron, Hyron”, ela gritou e ele despontava descendo a colina próxima, levantando uma poeira avermelhada. Ela rolou para trás sobre suas costas, como uma cambalhota, já estando em pé novamente, assim abrindo uma distância que permitiu que ela virasse as costas para os chacais e corresse. Órion se aproximava, e como estava desarmado por ter saído rapidamente de casa, pegou duas pedras no caminho que cabiam justamente em suas mãos. Nim conseguiu dar três passadas antes que fosse agarrada pela barra da túnica. A túnica cedeu e ela conseguiu dar outras três passadas antes de ser agarrada novamente. Pude ver o detalhe dela apertando fortemente os olhos marejados numa mistura de raiva e desespero enquanto lhe escapava um grito sem forma. Um dos animais saltou acima de sua cintura intencionando pegar um de seus braços, mas ela movimentou-se agilmente, deixando apenas o tecido da parte de baixo da manga curta e a lateral da túnica para a mordida. Nesse exato momento seu irmão pode mirar e acertar com a pedra a cabeça deste mesmo chacal enquanto outro investia novamente contra Nim, agarrando o que sobrara da saia de sua túnica. Como se realmente em uma dança, Nim não se deixava parar em um mesmo lugar nem por um segundo, o que dificultava as investidas dos chacais que tentavam segurá-la como podiam. Órion gastou a ultima pedra na cabeça do animal que se interpunha a sua irmã, e quando o outro chacal arrancou o resto do trapo que ainda vestia a garota, Órion pode avançar pela lateral do animal e chutá-lo na parte mole do ventre, fazendo-o girar no ar três vezes antes de voltar ao chão. Ainda restavam dois chacais que rosnavam ameaçadoramente enquanto o jovem chutava a terra em suas caras e rosnava de volta para eles, mas com três do bando nocauteados, dificilmente tentariam alguma outra investida.

Órion segurava Nim pelo braço, colocando-se um pouco à frente de maneira defensiva, caminhando lentamente de costas na direção dos cavalos que, alertas e bastante agitados, observavam tudo de uma distância segura.

— Estás bem, Nim?! — ele sussurrou sem tirar os olhos dos chacais.

— Estou bem, mas chegaste no último instante! Por que demoraste tanto naquela caverna?! — ainda ofegante e com os olhos vidrados pelo êxtase da adrenalina.

— Eu realmente não tenho essa noção do tempo… Para mim é como se eu tivesse entrado e imediatamente saído daquela caverna! Entretanto eu tenho a lembrança de acontecimentos enquanto eu estava lá dentro… mas são acontecimentos com os quais eu não me identifico, quero dizer… sinto como se não fosse eu naquela caverna… e ainda sim está gravada em minha mente, como em placas de pedra, cada palavra oracular dessa lembrança absurda!

— Veja, Hyron! Estão se levantando…

Eles correram até os cavalos, aqueles resistentes cavalos do oriente que sei muito bem não terem sido vistos mesmo no Egito, naquela época dos primórdios da civilização. E confesso que caí de amores por aquela garota que não dividia sequer o milênio comigo, quando ela, de um salto só, encaixou o animal, negro como a noite, entre suas pernas desnudas. O jovem começou a desatar sua única vestimenta: o seu saiote, para cobri-la ao menos um pouco, mas ela recusou a oferta:

— Deixa, meu querido, no momento mereço sentir a vida no meu corpo sem qualquer coisa que mitigue ou roube meus sentidos…

quarta-feira, 17 de março de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte XI) — A História de Órion… (Parte III) — Colapso da Realidade…

— Às vezes eu tento capturar o momento exato do tempo que me lançou nesse caminho sem volta. O que são as escolhas e o destino na história humana? O que são a história e o destino para nós agora? — Órion olha para o nada como se houvesse algo lá o encarando de volta.

“No fim daquela tarde em que o sol parecia ter se deitado sobre a ilha, as flores recendiam uma doçura tal que talvez apenas Creta conheça. Neste cenário, Nim, minha irmã mais nova, apanhou um cavalo e se dirigiu para o monte Dikte. Eu apenas a segui… [mapa]

“Estávamos no fim do verão, a estação que faz as montanhas distantes bruxulearem como chama sob o sol. Mas naquele fim de tarde uma brisa descia do Monte Dikte ao leste com um vigor refrescante. A única coisa que se ouvia era o esporádico tilintar das correias dos cavalos e o som abafado dos cascos na grama macia sobrepondo o farfalhar de tudo o que soubesse dançar ao vento. Nim olhava solenemente para o monte ao dizer… um murmúrio levado pelo vento:

— Um novo Deus…

— Que dizes, minha irmã?

— …um novo Deus é nascido, ali mesmo, na Caverna Psychro do Monte Dikte. Estamos em uma intersecção de eras! — ela tornou-se grave para mim ao exclamar. — O que nos reserva o Destino, Hyron? — mostrando, então, um sorriso de canto de boca quase que malicioso, instigando o cavalo para que corresse o quanto pudesse.

— Nim era uma das mais jovens e belas Sacerdotisas da Ordem da Deusa com sua atordoante combinação de um semblante passivo e olhos de uma chama negra que pareciam desejar conquistar tudo; a sua vasta cabeleira de fios muito finos castanhos claros trançados até o meio das costas resplandecia ao sol com a sua tiara dourada; e seu corpo atlético de Taureadora dava leveza e agilidade a qualquer movimento que fizesse.

“Na base do monte ensolarado eu admirava a imponência incansável de Dikte, enquanto Nim procurava por Dittanys:

— As chuvas de Outono vieram mais cedo este ano, as Dittanys já devem estar em floração. Vê! — ela disse apontando a direção.

“Então colhemos juntos o silêncio das flores, colhendo nosso próprio silêncio, na percepção do tempo medida pela atenção ao que se faz; o contato com a terra e o perfume das flores parecendo ser as únicas coisas que realmente importam…

Neste ponto Órion foi tragado pelas suas memórias, deliberadamente me arrastando com ele; mas já não havia outro lugar para mim. As imagens que ele esporadicamente me permitia deram lugar a uma dimensão repleta de cheiros e texturas. Definitivamente era como se eu estivesse realmente em Creta; um observador privilegiado. Destarte pude ver perfeitamente o Sol sobre as Montanhas Brancas ao oeste; fui abençoado com isso! Ó trevas… Nim continuou sem precisar emprestar a voz mentalmente projetada de seu irmão, e assim pude perceber que ela era infinitamente mais bela do que a descrição que qualquer irmão poderia dar:

— Hyron, — “ela me rouba da minha introspecção com a voz que só uma sacerdotisa pode ter”, Órion revela — o que pensas haver além de Oceanus?

— Sequer ouso fazer conjecturas, Nim… — O jovem Órion responde com a sinceridade e a simplicidade de seu corção, levando o olhar das Dittanys para Nim.

— Foi por isso que recusaste ingressar na Ordem, não foi?

— Para mim há mais mistério e revelação nas nossas próprias profundezas. Oceanus é uma bela imagem para isso.

— Mas desconfio que te atirarias no abismo, se defronte a ele, apenas na esperança de reunir os seus mistérios.

— E não é isso que fazes tu, cada vez que adentras a arena com teu time de dançarinos para bailar com um touro feroz que carrega a morte em seu dorso? — ela apenas desviou o olhar e calou-se.

Pessoas que se conhecem bem vão muito além das palavras em sua comunicação, e toda a conversa serviu para que Nim dissesse aquilo que não conseguiu. Então o Pequeno Gigante levantou-se e disse:

— Nim… vem! Vamos até Psychro. Aquele novo Deus ainda está lá?

— Ora, nem brinques com isso Hyron; se te interpuseres em uma intersecção de eras decerto que serás esmagado! Mas eu sei que vais fazer disso mais um abismo. Então vai, esperarei aqui, ainda quero colher algumas ervas… mas regressa logo, devemos estar em casa antes de anoitecer.

Órion correu o caminho pedregoso até Psychro, mas por cautela, ou solenidade, caminhou silenciosamente nas proximidades da entrada da caverna. A modesta entrada ocultava uma grandiosa obra de arte esculpida na rocha por águas milenares.



Um gotejar constante atingia uma superfície metálica produzindo um ecoante ritmo litúrgico que me arrebatou e me lançou para dentro da visão e de todos os sentidos daquele rapaz que se tornaria, de alguma forma, um gigante entre gigantes. Eu era Hyron no exato momento em que também era arrebatado e envolto em um manto de êxtase. Pude vislumbrar um escudo de bronze incrivelmente trabalhado em entalhes cheios de detalhes, com um machado de dois gumes no centro do desenho; mas mais um gota e minha realidade entrou em colapso.



a estação: No verão as temperaturas atingem os 40º C.

um novo Deus é nascido: Em uma das muitas versões para o nascimento do mito, Zeus nasceu e foi oculto da voracidade de Cronos na Caverna Psychro do Monte Dikte. Rhea (mãe de Zeus) enganou Cronos (pai de Zeus) dando a ele uma pedra para ser devorada no lugar do pequeno Zeus. Ele foi cuidado pela ninfa Amaltheia e teve como guardião Kouretes, que, trajado de sua completa armadura, dançava e batia sua lança contra seu escudo para que Cronos não ouvisse o choro da criança. Destarte Zeus pode crescer e iniciar a Titanomaquia, que é a história da luta dos Deuses Olímpicos contra os Titãs.

Caverna Psychro: Também conhecida como Caverna Dikteon.

Taureadora: Artefatos datados da Creta Minóica (afrescos, esculturas e pinturas em vasos) fazem menção a uma espécie de dança ritualística esportiva praticada com touros. Provavelmente o ato consistia em enganar o touro desviando de seus ataques com esquivas laterais ou com saltos mortais sobre eles. Outro movimento seria o de apoiar as mãos ou um pé sobre a testa do touro esperando que o animal fizesse aquele movimento característico de uma chifrada (abaixando a cabeça e depois a levantando rapidamente) para que o dançarino fosse lançado para cima em um salto acrobático. Os eventos ocorriam com vários dançarinos ao mesmo tempo na arena. Conjectura-se que esse posto de dançarino apenas fosse concedido aos membros das famílias de maior prestígio da Creta Minóica.


Afresco do Grande Palácio de Knossos


Dittanys: Origanum dictamnus, Dittany de Creta. É um arbusto com flores aromáticas que cresce selvagem apenas nas encostas e desfiladeiros das montanhas da Ilha de Creta. Popularmente simboliza o amor e é dita como afrodisíaca. Era muito comum um corajoso amante se arriscar em tais lugares perigosos para presentear a sua amada com essas flores. Inúmeras mortes foram registradas dos chamados Erondades (perseguidores do amor) através dos séculos. Porém, existem campos de cultivo de Dittanys nos dias de hoje, e a história acima considera que as flores foram colhidas de uma área de cultivo pela facilidade com que foram alcançadas. Atualmente é utilizada para a preparação de medicamentos, temperos, artigos de perfumaria e bebidas como vermute e absinto, além de um chá muito popular em Creta. Alguns filósofos da antiguidade, entre eles: Hipócrates, Aristóteles e Teofrasto, fazem citações a respeito dos efeitos curativos da planta. Algumas práticas de bruxaria, além das poções do amor, a utilizam para adivinhação, projeção astral e contatos com espíritos. Segundo tais práticas, quando a planta é usada na forma de incenso faz com que o espírito se materialize na fumaça.




Oceanus: Mitologia Greco-Romana: Titã irmão de Cronos. Entidade que circundava a Terra com seu Mundo-Oceano. Representa o desconhecido, o inexplorado pelo homem.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte X) — A História de Órion… (Parte II) — Mistérios e Mitos Através dos Tempos…

— Diziam que aqueles chacais haviam sido mandados à Creta, do próprio Egito, por um sacerdote egípcio. Ás vezes eu até ouvia, nas vilas, histórias alegóricas com a imitação de uma sombria voz do sacerdote dizendo: “…e eles devorarão a prosperidade da ilha…”

“Fora as aves de rapina, não havia qualquer outro tipo de animal predador anteriormente na ilha. Por um tempo apenas ouvi que havia animais estranhos vagando a leste das Montanhas Brancas, e então vieram os ataques a animais domésticos nas fazendas de Myxorrouma e Aphodoulou. Foi o senhor de Aphodoulou que identificou os animais como sendo chacais que ele havia visto no Egito em uma de suas viagens. Mas todas as histórias mirabolantes e superstições só vieram depois do que houve em Monastiraki: uma criança foi encontrada sem vida nos limites da vila, com sinais óbvios do que poderia ter causado aquilo. O pai da criança, transtornado e sozinho, saiu amaldiçoando os ‘cães do inferno de Anpu’ com espada e escudo de bronze em punho, a oeste, na direção das Montanhas Brancas. [mapa]

Montanhas Brancas


“Simplesmente nunca mais retornou. Os que foram atrás dele depois, não encontraram nem o homem, nem os chacais. E os passeios sob o luar, que tornava as montanhas de Creta tão brilhantes, nunca mais foram os mesmos…

Monte Dikte


“Meu pai não permitia que eu saísse em viagem com ele; ‘não tem idade ainda’, ele simplesmente dizia. Mas eu estava bastante animado; eu estava com 17 e meu irmão Arat foi ingresso com 18 anos na expedição. Dessa maneira eu me ocupava com as coisas da fazenda, sempre recebi treinamento do manejo da espada, treinos que se intensificaram naqueles últimos anos, minha mãe tinha me ensinado a escrita havia algum tempo, pois era ela quem cuidava de toda a parte administrativa da fazenda, e, a pedido de meu pai, eu estudava cartas náuticas e tratados comerciais. Bom, isso só poderia significar que logo, pela primeira vez, eu deixaria Creta para conhecer o mundo; era assim que eu pensava.”

Nesse momento Órion quis suspirar nostalgicamente, mas nós dois estávamos vazios da matéria. Nós éramos apenas duas mentes unidas em um lugar e em um tempo muito além até mesmo da distância física que nos apartava do mundo. Um lugar e um tempo quase esquecidos pela história humana.

— O senhor de Vathypetro passava longos períodos fora de sua casa, mas, por vezes, também se estabelecia demoradamente. Quando o fazia, ele assumia pessoalmente meus treinos com a espada. Isso era bom, apesar de ser um instrutor exigente, podíamos passar um bom tempo juntos e conversar bastante. “Hyron…”, pois esse era meu nome, o que meu pai havia me dado, “…circunstancialmente, a força bruta não é de essencial importância em uma batalha. Procure se livrar de vícios e cacoetes. Agilidade e uma ação direta são bastante eficientes…”, ele dizia. Naquela época, 17 anos recém completos, eu tinha não mais que um metro e sessenta e cinco de altura, por mais incrível que pareça, distribuídos em 65 quilos. Boa parte dos meus oponentes poderia ser maior que eu; ele queria que eu não me importasse com isso. Às vezes ele organizava pequenas competições amistosas com espadas de madeira entre a tripulação, e meus irmãos e eu também participávamos, assim, eu podia medir minha habilidade, pois, ao menos nos limites do Mediterrâneo, vivia-se uma época de relativa paz. Paz e modo de vida cretense que se tornariam uma utopia nos anos posteriores…


Anpu: Mitologia Egípcia: Referência a Anúbis, deus guardião das tumbas, guia e juiz do submundo, geralmente descrito como um homem com a cabeça de um chacal.

a escrita: A civilização minóica possuía uma língua oficial escrita em um sistema ideo-silábico, isto é, com silabogramas e ideogramas, nomeada de Linear A por Arthur Evans. A escrita minóica permanece incompreendida e a sua língua não aparenta ligação a nenhuma língua conhecida.

modo de vida cretense: A distribuição das riquezas desempenhou um grande papel na estrutura da Creta minóica. Construções de múltiplos cômodos foram descobertas, mesmo em áreas “pobres” da cidade, revelando uma igualdade social entre os habitantes.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte IX) — A História de Órion… (Parte I) — Os Chacais e a Felicidade…

— Eu gostava de, eu mesmo, acender os archotes ao redor da residência. E eu esperava que a noite caísse por completo antes de fazer isso. Por vezes via os chacais espreitando nas sombras com aqueles olhos de vidro amarelo, e era justamente por isso que eu procurava quando fazia aquilo. Sempre achei que eles esperavam que, em alguma noite, ninguém viesse trazer o que para eles também podia parecer vigilantes olhos amarelos. Hoje eu tenho certeza.

— A Ilha de Creta… Órion, és nascido antes de Roma, não… antes mesmo da Grécia!

— … — Suas espessas sobrancelhas levantadas disseram: “Eu sei!”

— Isso foi há uns 3.500 anos…

— …pois parece que foi ontem…

— …

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— A residência ficava a dez quilômetros do Palácio de Knossos e as terras se estendiam do Rio Kairatos até o Monte Dikte. Criávamos ovelhas e um pequeno rebanho bovino, e cultivávamos trigo, cevada e grão–de-bico. Mas nos orgulhávamos de ter um dos mais belos vinhedos da ilha, juntamente com oliveiras e figueiras, açafrão, e também a papoula. A maioria das fazendas não produzia o vinho; era comum que se produzisse nos próprios palácios das cidades. Mas nós não fazíamos vinho; fazíamos uma especiaria.

"Meu pai contava ter salvo a tripulação de um navio fenício naufragando que transportava vinho em barris de cerejeira e carvalho. Ele acabou ficando com o que pode ser salvo do carregamento e, assim, assimilou algumas maneiras orientais de se fazer o vinho. A principal adaptação foi que passamos a utilizar os barris de madeira no lugar das ânforas de barro ou terracota para a fermentação e estocagem, o que apurava distintamente o sabor do vinho. Não passou muito tempo para que recebêssemos o título de melhor vinhedo da ilha; mantendo em segredo, é claro, as nossas maneiras de produção.

"Mas meu pai não era apenas um comerciante, ou fazendeiro. Ele era um mercenário dono de duas embarcações de trinta metros, com mais de trinta homens sob seu comando. Geralmente seus contratos eram de escolta de mercadorias valiosas, mas sei que ele esteve em pequenas guerras, pois destas ele regressava sempre com pessoas para trabalhar nas terras; não escravos! Mas uma mão-de-obra barata que notavelmente trabalhava com uma devoção fora do comum. Meu pai possuía um carisma fora do comum.

"Eu lembro, quando eu era criança, que subia no alto do Monte Dikte para poder enxergar mais longe no mar e talvez ver alguma embarcação, esperando meu pai e a festa que vinha com ele. Levava pouco mais de uma hora à cavalo do Porto de Knossos até Vathypetro, que era a nossa casa. E quando a notícia de que eram os navios do meu pai que estavam aportando, era uma correria de preparativos para a recepção dos mais festeiros mercenários ansiosos para ver suas esposas e filhos.

"Apenas metade da comitiva vinha de imediato com meu pai, a outra ficava no porto para cuidar do desembarque das mercadorias, dos serviços postais, do reporte administrativo junto ao palácio, da manutenção e limpeza dos navios, e dos diversos outros afazeres. Então eles surgiam descendo a colina que antecedia Vathypetro. E vinham cavalgando lentamente, propositadamente, para que tudo estivesse pronto na casa. Meu pai, Mikos, vinha na frente com dois de meus irmãos mais velhos, Arat e Kirali, seguidos pelos outros cavaleiros da comitiva e algumas carroças com suprimentos e especiarias.

"Minha mãe, minha bela mãe Hyelle, com sua túnica branca de tecido fino e esvoaçante, aberta por um decote vincado até o umbigo, as mangas curtas e a saia frisada, acinturada por uma fina corrente de cobre, esperava um pouco afastada da casa, sozinha, com as mãos entrelaçadas e voltadas para cima como se estivesse segurando algo junto ao baixo ventre, mas totalmente relaxada e passiva, como se ela própria fosse a terra para a qual tudo regressa.

"Meu pai, então, saltava do cavalo, entregava as rédeas aos meus irmãos e seguia sozinho pisando gentilmente na grama verde e macia. Todos paravam e fazia-se um silêncio primoroso. Quando ele finalmente alcançava minha mãe, eles enroscavam-se pelos antebraços com firmeza, e não era possível ouvir o que eles diziam um bem de frente ao outro, afinal, aquele era um momento só deles, e o gozavam demoradamente. Quando finalmente se entregavam aos abraços e aos beijos, todos da comitiva gritavam e corriam para os que os aguardavam, a música e o cheiro da bebida e da comida se elevavam no ar; e tudo isso parece com um sonho infantil, e que a felicidade é apenas uma ilha distante de tudo…"


Ilha de Creta: Os mais antigos sinais de habitantes em Creta são peças de cerâmica neolítica de aproximadamente 7.000 a.C. O tempo de 3.500 anos atrás (ou 1.500 a.C.) citado no texto faz menção à Civilização Minóica. Os minóicos foram uma civilização pré-helênica da idade do bronze e sua arte nos diz que eram uma sociedade matriarcal voltada para o culto da Deusa. O termo Minóico foi criado pelo arqueólogo inglês Arthur Evans devido ao rei mítico Minos, associado ao labirinto do minotauro, que Evans identificou como sendo o sítio de Knossos em escavações no ano de 1900. É possível que Minos fosse um termo usado para identificar um governante minóico específico, mas pode também ter sido usado para nomear os governantes minóicos da época, assim como o termo faraó no Egito. Como os minóicos chamavam a si mesmos ninguém sabe, mas a palavra egípcia Keftiu e a semítica Kaftor ou Caphtor e Kaptara nos arquivos de Evans, se referem evidentemente à Creta minóica. Creta possuía um domínio político-comercial do Mediterrâneo Oriental. A prosperidade da ilha se deveu basicamente à habilidade na construção de navios rápidos e resistentes, capazes de transpor o Mar Mediterrâneo. Desta forma, os minóicos estabeleceram relações comerciais com as civilizações circundantes, exportando peças de metal, jóias, cerâmica, azeite, vinhos, assim como importando algum tipo de matéria-prima. A frota minóica era formada por navios de transporte, feitos especificamente para o comércio e se compunha de embarcações que mediam entre 20 e 30 metros, com vela e remos. Em se tratando de navegação, eles tinham perfeitas noções atmosféricas e náuticas e isso se deduz, tanto pela quantidade de mercadorias que transportavam, quanto pelas distâncias que percorriam.