Prólogo

É aquela velha história…
Vampiros fingindo ser humanos fingindo ser vampiros…

Mas a maioria dos missivistas estão mortos…
O Theatre des Vampires há muito desfeito… — Nada poderia ter sido tão maravilhoso como Arte e repugnante como Conceito Ideológico…
Os Antigos dormem, ou apenas perderam o interesse pelo que tem Substância Material… — Recuso-me a falar dos que enlouqueceram…
Os que se fizeram de Heróis, um dia, foram tragados por uma Escuridão de Dúvidas e abarcados pelo que se revela sem abandonar o seu Mistério… — O Desespero Silencioso é um dos acometimentos mais terríveis sobre qualquer tipo de existência.




Então eu não estou aqui para ser herói, ou qualquer coisa assim… Eu sou um Pretexto para a Poesia… foi assim que fui concebido… foi assim que consegui manter alguma Sanidade…
Não que eu seja imune aos Lépidos Desesperos Devoradores de Alma… mas eu sempre fiz de tudo para me manter em movimento, no fluxo das coisas, desde antes de ser entregue ao Irremediável Poder das Trevas… — um dia eu conto essa história…
É por isso que eu continuo… e vou continuar até que o Sol devore este nosso Planetinha, vocês vão ver. E se quiserem ver mesmo… bom… vão ter de implorar por uma mordida…

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Admirável Mundo Novo… (Parte I)

Sentir vivos?
…é…
…quem sabe…
Vamos ver se consigo dar-te a minha perspectiva das coisas…
…minhas aventuras continuam…
…e eu achei que cedo ou tarde os séculos me entediariam…
…mas não sou eu o substituto perfeito do Príncipe Moleque???

…depois do meu regresso, passando das savanas africanas para Glastonbury. — Eu te contei sobre isso na última missiva. — Bom… eu devo ter perdido algum medo oculto e criado outros tantos… enfim… apenas deixei que o Dom da Nuvem me guiasse num eterno fim de tarde mirando o Oeste… — Oh, para todo o sempre. Eu queria! — Perguntando-me até quando poderia e em que noite da terra cairia. — Senti-me como a criança que gira o globo terrestre e aponta o dedo aleatoriamente só para ver onde vai parar…

Devo ter sonhado com essa imagem e durou cinco semanas até eu adormecer e cair próximo à Oceania em mares profundos. Só fui despertar na metade daquela noite… — Podes me imaginar o desespero? — Despertar na escuridão sem saber onde e envolto por quilômetros de pressão d’água… Porém confesso que o desespero não durou muito — não deveria eu estar morto há séculos? — Destarte descobri que o nosso respirar é pura superstição — bom… mais ou menos.

Gostaria de descrever um por um os seres estranhos que descobri naquelas profundidades — um grande número deles provavelmente nem está catalogado, mas creio que faltaria espaço aqui. — No explorar desse mundo novo fui me deixando levar pelas correntes marítimas e encontrei uma das piores bestas que já enfrentei, digno de ser chamado de Demônio Branco dos Mares… Céus, aquele tubarão branco não queria nada menos do que o Dom das Trevas. Foi um temor inédito que senti e não sei por que me lembrei do meu feroz rinoceronte que deixei na África. Mas aquele tubarão enorme tinha os olhos do próprio demônio e não me deu nenhuma brecha. Eram seis metros de pálida sede de sangue…

Ele me rodeou três vezes gerando um sutil padrão de movimentação nas águas ao meu redor. Ele atacou no sentido do fluxo que havia gerado e eu fiquei imóvel no entendimento que a alteração do padrão do fluxo da água denunciaria meu movimento de esquiva, por mais rápido que fosse, e o Demônio Branco ajustaria a trajetória de seu ataque. Cheguei tão perto daquela mordida, mas não pude contar quantos dentes. No último segundo eu apoiei minha mão esquerda no nariz dele e me impulsionei para cima como num salto mortal girando o corpo para frente em torno do apoio. O movimento teria sido perfeito se a nadadeira dorsal do monstro não tivesse me atingido na cara e me cegado do olho esquerdo.

Que desgraça! Tentei segurar firme em sua cauda, então, mas o demônio chicoteou me fazendo soltar e girando num movimento contínuo abocanhou meu braço esquerdo na altura do ombro. Meu grito foi um trovão submerso não me escapando nenhuma bolha de ar pela boca, e antes que ele começasse a se debater para arrancar o meu braço, eu imolei um fogo instintivo nele, que mais assustou do que feriu, num brilho de um segundo — é muito difícil usar essa técnica dentro d’água.

Ele se afastou e foi seguido por um rastro de Sangue das Trevas e começou a rodear o sangue tentando concentrar toda aquela mancha vermelha. Eu me afastei um pouco, ele não estava muito longe, parecendo cada vez mais louco pelo sangue, frenético, ele parecia tremer-se todo em êxtase demoníaco. Observando aquilo eu analisei a minha situação considerando tudo: o fato de eu estar no território dele; o fato de eu estar exausto, sem dormir direito há mais de um mês e nem me lembrando da última vez em que tinha me alimentado; o fato de que a falta de oxigenação nos meus músculos diminuía e muito a minha força física e retardava meus movimentos. Entenda que eu poderia ter esmagado o coração dele sem muito esforço com a minha mente em qualquer momento, mas nem cogitei fazê-lo. — Quem é o verdadeiro Demônio?! Rio-me às gargalhadas.

E naquele momento eu tinha um braço e um olho esquerdos inutilizados. A minha grande idiotice foi confiar totalmente na minha agilidade e força física. — Talvez se eu estivesse em perfeitas condições teria dado certo; não foi o caso. — Mas eu sempre fui bom com a telecinese, não fui?! E também entendi que o Dom da Nuvem é apenas uma derivação disso, portanto, podendo ser aplicado dentro d’água.

O Demônio Frenético se refestelava no sangue enquanto eu testava rapidamente os meus movimentos. Interessante foi que a absorção do sangue pelo demônio gerou uma proto-conexão entre nós, e o que pude vislumbrar então, foi um demônio dentro do demônio, um Demônio do Sangue. — Seria eu culpado pela mácula na inocência da besta? — Mas aquele era um momento de guerra e não havia muito espaço para essas questões e, já que ele, o Demônio Branco, não vinha, lancei-me à frente projetando massas de água em sua direção com minha vontade e dispersando meus vestígios de sangue. Ele ficou notavelmente furioso, atirando-se em minha direção; “ótimo”, pensei. Com minha nova mobilidade pude utilizar uma esquiva milimétrica e golpear o flanco esquerdo do bicho com a mão esticada em forma de lâmina e me afastar rapidamente.

Golpeei com a força física e a vontade cinética combinadas, fazendo com que metade do meu braço penetrasse em sua carne. Ele, parecendo nem ter sentido o golpe, tornou então à tática inicial me rodeando várias e várias vezes, ameaçando investidas para avaliar meus movimentos. Permaneci imóvel. Usando minha vontade fiz cessar o movimento do torvelinho ao meu redor e previsivelmente a Besta dos Mares investiu contra mim. Eu usei o mesmo movimento de antes para “saltar” sobre meu adversário — agora usando o braço direito, claro. — Com o ataque previsto e o melhor controle dos movimentos, executei o movimento com perfeição, girando o corpo e me posicionando estrategicamente sentado em seu dorso, segurando em sua barbatana e depois cravando minhas garras fatais em seu dorso até sua grande espinha dorsal.

Quebrei-a sem dó, paralisando a cauda do demônio. Ele começou a bater a mandíbula desesperadamente, com muita força, quebrando seus próprios dentes — o som disso era horrível. — Arranquei-lhe a espinha e bebi seu néctar enquanto recuperava a visão do olho esquerdo. Arranquei mais outro e sorvi tudo sendo invadido por uma sensação de Holismo Oceânico, enquanto recuperava o movimento do braço. O coração do monstro ainda batia, e como se fosse a redenção para ele, explodi-o. “Adeus, Demônio Ancião…”

Questionas o fato de eu ter dramatizado e tornado a besta vilã? E a história da humanidade não é justamente assim? — rio-me. — De fato aquele farejador de sangue sentiu que meu sangue não era comum… ele farejou o poder no meu sangue e o quis para si… Mas o ponto principal dessa história é onde ela me leva. A história continua, tu sabes… sou eu que cesso a escrita…

[Sussurro]

…a Vontade é a maior Força que tens…

…poucos são os Verdadeiros Imortais…

…au revoir ma cher ensorcelant…
…dansant ensorcelant…




Dom da Nuvem: Capacidade de voo.

Demônio Ancião: Os tubarões são formas de vida muito antigas na terra, posto que atingiram esse estágio evolutivo dominante há muito, muito tempo… muito antes dos grandes dinossauros eles já estavam aqui, há cerca de 450 milhões de anos. Os dinossauros surgiram há 225 milhões de anos atrás.