Prólogo

É aquela velha história…
Vampiros fingindo ser humanos fingindo ser vampiros…

Mas a maioria dos missivistas estão mortos…
O Theatre des Vampires há muito desfeito… — Nada poderia ter sido tão maravilhoso como Arte e repugnante como Conceito Ideológico…
Os Antigos dormem, ou apenas perderam o interesse pelo que tem Substância Material… — Recuso-me a falar dos que enlouqueceram…
Os que se fizeram de Heróis, um dia, foram tragados por uma Escuridão de Dúvidas e abarcados pelo que se revela sem abandonar o seu Mistério… — O Desespero Silencioso é um dos acometimentos mais terríveis sobre qualquer tipo de existência.




Então eu não estou aqui para ser herói, ou qualquer coisa assim… Eu sou um Pretexto para a Poesia… foi assim que fui concebido… foi assim que consegui manter alguma Sanidade…
Não que eu seja imune aos Lépidos Desesperos Devoradores de Alma… mas eu sempre fiz de tudo para me manter em movimento, no fluxo das coisas, desde antes de ser entregue ao Irremediável Poder das Trevas… — um dia eu conto essa história…
É por isso que eu continuo… e vou continuar até que o Sol devore este nosso Planetinha, vocês vão ver. E se quiserem ver mesmo… bom… vão ter de implorar por uma mordida…

domingo, 24 de janeiro de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte IX) — A História de Órion… (Parte I) — Os Chacais e a Felicidade…

— Eu gostava de, eu mesmo, acender os archotes ao redor da residência. E eu esperava que a noite caísse por completo antes de fazer isso. Por vezes via os chacais espreitando nas sombras com aqueles olhos de vidro amarelo, e era justamente por isso que eu procurava quando fazia aquilo. Sempre achei que eles esperavam que, em alguma noite, ninguém viesse trazer o que para eles também podia parecer vigilantes olhos amarelos. Hoje eu tenho certeza.

— A Ilha de Creta… Órion, és nascido antes de Roma, não… antes mesmo da Grécia!

— … — Suas espessas sobrancelhas levantadas disseram: “Eu sei!”

— Isso foi há uns 3.500 anos…

— …pois parece que foi ontem…

— …

Clique na imagem para ampliá-la


— A residência ficava a dez quilômetros do Palácio de Knossos e as terras se estendiam do Rio Kairatos até o Monte Dikte. Criávamos ovelhas e um pequeno rebanho bovino, e cultivávamos trigo, cevada e grão–de-bico. Mas nos orgulhávamos de ter um dos mais belos vinhedos da ilha, juntamente com oliveiras e figueiras, açafrão, e também a papoula. A maioria das fazendas não produzia o vinho; era comum que se produzisse nos próprios palácios das cidades. Mas nós não fazíamos vinho; fazíamos uma especiaria.

"Meu pai contava ter salvo a tripulação de um navio fenício naufragando que transportava vinho em barris de cerejeira e carvalho. Ele acabou ficando com o que pode ser salvo do carregamento e, assim, assimilou algumas maneiras orientais de se fazer o vinho. A principal adaptação foi que passamos a utilizar os barris de madeira no lugar das ânforas de barro ou terracota para a fermentação e estocagem, o que apurava distintamente o sabor do vinho. Não passou muito tempo para que recebêssemos o título de melhor vinhedo da ilha; mantendo em segredo, é claro, as nossas maneiras de produção.

"Mas meu pai não era apenas um comerciante, ou fazendeiro. Ele era um mercenário dono de duas embarcações de trinta metros, com mais de trinta homens sob seu comando. Geralmente seus contratos eram de escolta de mercadorias valiosas, mas sei que ele esteve em pequenas guerras, pois destas ele regressava sempre com pessoas para trabalhar nas terras; não escravos! Mas uma mão-de-obra barata que notavelmente trabalhava com uma devoção fora do comum. Meu pai possuía um carisma fora do comum.

"Eu lembro, quando eu era criança, que subia no alto do Monte Dikte para poder enxergar mais longe no mar e talvez ver alguma embarcação, esperando meu pai e a festa que vinha com ele. Levava pouco mais de uma hora à cavalo do Porto de Knossos até Vathypetro, que era a nossa casa. E quando a notícia de que eram os navios do meu pai que estavam aportando, era uma correria de preparativos para a recepção dos mais festeiros mercenários ansiosos para ver suas esposas e filhos.

"Apenas metade da comitiva vinha de imediato com meu pai, a outra ficava no porto para cuidar do desembarque das mercadorias, dos serviços postais, do reporte administrativo junto ao palácio, da manutenção e limpeza dos navios, e dos diversos outros afazeres. Então eles surgiam descendo a colina que antecedia Vathypetro. E vinham cavalgando lentamente, propositadamente, para que tudo estivesse pronto na casa. Meu pai, Mikos, vinha na frente com dois de meus irmãos mais velhos, Arat e Kirali, seguidos pelos outros cavaleiros da comitiva e algumas carroças com suprimentos e especiarias.

"Minha mãe, minha bela mãe Hyelle, com sua túnica branca de tecido fino e esvoaçante, aberta por um decote vincado até o umbigo, as mangas curtas e a saia frisada, acinturada por uma fina corrente de cobre, esperava um pouco afastada da casa, sozinha, com as mãos entrelaçadas e voltadas para cima como se estivesse segurando algo junto ao baixo ventre, mas totalmente relaxada e passiva, como se ela própria fosse a terra para a qual tudo regressa.

"Meu pai, então, saltava do cavalo, entregava as rédeas aos meus irmãos e seguia sozinho pisando gentilmente na grama verde e macia. Todos paravam e fazia-se um silêncio primoroso. Quando ele finalmente alcançava minha mãe, eles enroscavam-se pelos antebraços com firmeza, e não era possível ouvir o que eles diziam um bem de frente ao outro, afinal, aquele era um momento só deles, e o gozavam demoradamente. Quando finalmente se entregavam aos abraços e aos beijos, todos da comitiva gritavam e corriam para os que os aguardavam, a música e o cheiro da bebida e da comida se elevavam no ar; e tudo isso parece com um sonho infantil, e que a felicidade é apenas uma ilha distante de tudo…"


Ilha de Creta: Os mais antigos sinais de habitantes em Creta são peças de cerâmica neolítica de aproximadamente 7.000 a.C. O tempo de 3.500 anos atrás (ou 1.500 a.C.) citado no texto faz menção à Civilização Minóica. Os minóicos foram uma civilização pré-helênica da idade do bronze e sua arte nos diz que eram uma sociedade matriarcal voltada para o culto da Deusa. O termo Minóico foi criado pelo arqueólogo inglês Arthur Evans devido ao rei mítico Minos, associado ao labirinto do minotauro, que Evans identificou como sendo o sítio de Knossos em escavações no ano de 1900. É possível que Minos fosse um termo usado para identificar um governante minóico específico, mas pode também ter sido usado para nomear os governantes minóicos da época, assim como o termo faraó no Egito. Como os minóicos chamavam a si mesmos ninguém sabe, mas a palavra egípcia Keftiu e a semítica Kaftor ou Caphtor e Kaptara nos arquivos de Evans, se referem evidentemente à Creta minóica. Creta possuía um domínio político-comercial do Mediterrâneo Oriental. A prosperidade da ilha se deveu basicamente à habilidade na construção de navios rápidos e resistentes, capazes de transpor o Mar Mediterrâneo. Desta forma, os minóicos estabeleceram relações comerciais com as civilizações circundantes, exportando peças de metal, jóias, cerâmica, azeite, vinhos, assim como importando algum tipo de matéria-prima. A frota minóica era formada por navios de transporte, feitos especificamente para o comércio e se compunha de embarcações que mediam entre 20 e 30 metros, com vela e remos. Em se tratando de navegação, eles tinham perfeitas noções atmosféricas e náuticas e isso se deduz, tanto pela quantidade de mercadorias que transportavam, quanto pelas distâncias que percorriam.

Um comentário: