Prólogo

É aquela velha história…
Vampiros fingindo ser humanos fingindo ser vampiros…

Mas a maioria dos missivistas estão mortos…
O Theatre des Vampires há muito desfeito… — Nada poderia ter sido tão maravilhoso como Arte e repugnante como Conceito Ideológico…
Os Antigos dormem, ou apenas perderam o interesse pelo que tem Substância Material… — Recuso-me a falar dos que enlouqueceram…
Os que se fizeram de Heróis, um dia, foram tragados por uma Escuridão de Dúvidas e abarcados pelo que se revela sem abandonar o seu Mistério… — O Desespero Silencioso é um dos acometimentos mais terríveis sobre qualquer tipo de existência.




Então eu não estou aqui para ser herói, ou qualquer coisa assim… Eu sou um Pretexto para a Poesia… foi assim que fui concebido… foi assim que consegui manter alguma Sanidade…
Não que eu seja imune aos Lépidos Desesperos Devoradores de Alma… mas eu sempre fiz de tudo para me manter em movimento, no fluxo das coisas, desde antes de ser entregue ao Irremediável Poder das Trevas… — um dia eu conto essa história…
É por isso que eu continuo… e vou continuar até que o Sol devore este nosso Planetinha, vocês vão ver. E se quiserem ver mesmo… bom… vão ter de implorar por uma mordida…

quarta-feira, 17 de março de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte XI) — A História de Órion… (Parte III) — Colapso da Realidade…

— Às vezes eu tento capturar o momento exato do tempo que me lançou nesse caminho sem volta. O que são as escolhas e o destino na história humana? O que são a história e o destino para nós agora? — Órion olha para o nada como se houvesse algo lá o encarando de volta.

“No fim daquela tarde em que o sol parecia ter se deitado sobre a ilha, as flores recendiam uma doçura tal que talvez apenas Creta conheça. Neste cenário, Nim, minha irmã mais nova, apanhou um cavalo e se dirigiu para o monte Dikte. Eu apenas a segui… [mapa]

“Estávamos no fim do verão, a estação que faz as montanhas distantes bruxulearem como chama sob o sol. Mas naquele fim de tarde uma brisa descia do Monte Dikte ao leste com um vigor refrescante. A única coisa que se ouvia era o esporádico tilintar das correias dos cavalos e o som abafado dos cascos na grama macia sobrepondo o farfalhar de tudo o que soubesse dançar ao vento. Nim olhava solenemente para o monte ao dizer… um murmúrio levado pelo vento:

— Um novo Deus…

— Que dizes, minha irmã?

— …um novo Deus é nascido, ali mesmo, na Caverna Psychro do Monte Dikte. Estamos em uma intersecção de eras! — ela tornou-se grave para mim ao exclamar. — O que nos reserva o Destino, Hyron? — mostrando, então, um sorriso de canto de boca quase que malicioso, instigando o cavalo para que corresse o quanto pudesse.

— Nim era uma das mais jovens e belas Sacerdotisas da Ordem da Deusa com sua atordoante combinação de um semblante passivo e olhos de uma chama negra que pareciam desejar conquistar tudo; a sua vasta cabeleira de fios muito finos castanhos claros trançados até o meio das costas resplandecia ao sol com a sua tiara dourada; e seu corpo atlético de Taureadora dava leveza e agilidade a qualquer movimento que fizesse.

“Na base do monte ensolarado eu admirava a imponência incansável de Dikte, enquanto Nim procurava por Dittanys:

— As chuvas de Outono vieram mais cedo este ano, as Dittanys já devem estar em floração. Vê! — ela disse apontando a direção.

“Então colhemos juntos o silêncio das flores, colhendo nosso próprio silêncio, na percepção do tempo medida pela atenção ao que se faz; o contato com a terra e o perfume das flores parecendo ser as únicas coisas que realmente importam…

Neste ponto Órion foi tragado pelas suas memórias, deliberadamente me arrastando com ele; mas já não havia outro lugar para mim. As imagens que ele esporadicamente me permitia deram lugar a uma dimensão repleta de cheiros e texturas. Definitivamente era como se eu estivesse realmente em Creta; um observador privilegiado. Destarte pude ver perfeitamente o Sol sobre as Montanhas Brancas ao oeste; fui abençoado com isso! Ó trevas… Nim continuou sem precisar emprestar a voz mentalmente projetada de seu irmão, e assim pude perceber que ela era infinitamente mais bela do que a descrição que qualquer irmão poderia dar:

— Hyron, — “ela me rouba da minha introspecção com a voz que só uma sacerdotisa pode ter”, Órion revela — o que pensas haver além de Oceanus?

— Sequer ouso fazer conjecturas, Nim… — O jovem Órion responde com a sinceridade e a simplicidade de seu corção, levando o olhar das Dittanys para Nim.

— Foi por isso que recusaste ingressar na Ordem, não foi?

— Para mim há mais mistério e revelação nas nossas próprias profundezas. Oceanus é uma bela imagem para isso.

— Mas desconfio que te atirarias no abismo, se defronte a ele, apenas na esperança de reunir os seus mistérios.

— E não é isso que fazes tu, cada vez que adentras a arena com teu time de dançarinos para bailar com um touro feroz que carrega a morte em seu dorso? — ela apenas desviou o olhar e calou-se.

Pessoas que se conhecem bem vão muito além das palavras em sua comunicação, e toda a conversa serviu para que Nim dissesse aquilo que não conseguiu. Então o Pequeno Gigante levantou-se e disse:

— Nim… vem! Vamos até Psychro. Aquele novo Deus ainda está lá?

— Ora, nem brinques com isso Hyron; se te interpuseres em uma intersecção de eras decerto que serás esmagado! Mas eu sei que vais fazer disso mais um abismo. Então vai, esperarei aqui, ainda quero colher algumas ervas… mas regressa logo, devemos estar em casa antes de anoitecer.

Órion correu o caminho pedregoso até Psychro, mas por cautela, ou solenidade, caminhou silenciosamente nas proximidades da entrada da caverna. A modesta entrada ocultava uma grandiosa obra de arte esculpida na rocha por águas milenares.



Um gotejar constante atingia uma superfície metálica produzindo um ecoante ritmo litúrgico que me arrebatou e me lançou para dentro da visão e de todos os sentidos daquele rapaz que se tornaria, de alguma forma, um gigante entre gigantes. Eu era Hyron no exato momento em que também era arrebatado e envolto em um manto de êxtase. Pude vislumbrar um escudo de bronze incrivelmente trabalhado em entalhes cheios de detalhes, com um machado de dois gumes no centro do desenho; mas mais um gota e minha realidade entrou em colapso.



a estação: No verão as temperaturas atingem os 40º C.

um novo Deus é nascido: Em uma das muitas versões para o nascimento do mito, Zeus nasceu e foi oculto da voracidade de Cronos na Caverna Psychro do Monte Dikte. Rhea (mãe de Zeus) enganou Cronos (pai de Zeus) dando a ele uma pedra para ser devorada no lugar do pequeno Zeus. Ele foi cuidado pela ninfa Amaltheia e teve como guardião Kouretes, que, trajado de sua completa armadura, dançava e batia sua lança contra seu escudo para que Cronos não ouvisse o choro da criança. Destarte Zeus pode crescer e iniciar a Titanomaquia, que é a história da luta dos Deuses Olímpicos contra os Titãs.

Caverna Psychro: Também conhecida como Caverna Dikteon.

Taureadora: Artefatos datados da Creta Minóica (afrescos, esculturas e pinturas em vasos) fazem menção a uma espécie de dança ritualística esportiva praticada com touros. Provavelmente o ato consistia em enganar o touro desviando de seus ataques com esquivas laterais ou com saltos mortais sobre eles. Outro movimento seria o de apoiar as mãos ou um pé sobre a testa do touro esperando que o animal fizesse aquele movimento característico de uma chifrada (abaixando a cabeça e depois a levantando rapidamente) para que o dançarino fosse lançado para cima em um salto acrobático. Os eventos ocorriam com vários dançarinos ao mesmo tempo na arena. Conjectura-se que esse posto de dançarino apenas fosse concedido aos membros das famílias de maior prestígio da Creta Minóica.


Afresco do Grande Palácio de Knossos


Dittanys: Origanum dictamnus, Dittany de Creta. É um arbusto com flores aromáticas que cresce selvagem apenas nas encostas e desfiladeiros das montanhas da Ilha de Creta. Popularmente simboliza o amor e é dita como afrodisíaca. Era muito comum um corajoso amante se arriscar em tais lugares perigosos para presentear a sua amada com essas flores. Inúmeras mortes foram registradas dos chamados Erondades (perseguidores do amor) através dos séculos. Porém, existem campos de cultivo de Dittanys nos dias de hoje, e a história acima considera que as flores foram colhidas de uma área de cultivo pela facilidade com que foram alcançadas. Atualmente é utilizada para a preparação de medicamentos, temperos, artigos de perfumaria e bebidas como vermute e absinto, além de um chá muito popular em Creta. Alguns filósofos da antiguidade, entre eles: Hipócrates, Aristóteles e Teofrasto, fazem citações a respeito dos efeitos curativos da planta. Algumas práticas de bruxaria, além das poções do amor, a utilizam para adivinhação, projeção astral e contatos com espíritos. Segundo tais práticas, quando a planta é usada na forma de incenso faz com que o espírito se materialize na fumaça.




Oceanus: Mitologia Greco-Romana: Titã irmão de Cronos. Entidade que circundava a Terra com seu Mundo-Oceano. Representa o desconhecido, o inexplorado pelo homem.

3 comentários:

  1. Muito bom o blog.
    Parabéns!!

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  2. O que seria de mim, pobre mortal, sem as explicações??? :) Estou adorando conhecer essa creta quase esquecida, e toda a poesia, mitologia e música tudo misturado. Um belissimo trabalho.

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  3. Escreva logo a próxima vc está me deixando louca!! :)

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