Prólogo

É aquela velha história…
Vampiros fingindo ser humanos fingindo ser vampiros…

Mas a maioria dos missivistas estão mortos…
O Theatre des Vampires há muito desfeito… — Nada poderia ter sido tão maravilhoso como Arte e repugnante como Conceito Ideológico…
Os Antigos dormem, ou apenas perderam o interesse pelo que tem Substância Material… — Recuso-me a falar dos que enlouqueceram…
Os que se fizeram de Heróis, um dia, foram tragados por uma Escuridão de Dúvidas e abarcados pelo que se revela sem abandonar o seu Mistério… — O Desespero Silencioso é um dos acometimentos mais terríveis sobre qualquer tipo de existência.




Então eu não estou aqui para ser herói, ou qualquer coisa assim… Eu sou um Pretexto para a Poesia… foi assim que fui concebido… foi assim que consegui manter alguma Sanidade…
Não que eu seja imune aos Lépidos Desesperos Devoradores de Alma… mas eu sempre fiz de tudo para me manter em movimento, no fluxo das coisas, desde antes de ser entregue ao Irremediável Poder das Trevas… — um dia eu conto essa história…
É por isso que eu continuo… e vou continuar até que o Sol devore este nosso Planetinha, vocês vão ver. E se quiserem ver mesmo… bom… vão ter de implorar por uma mordida…

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Admirável Mundo Novo… (Parte XIII) — A História de Órion… (Parte V) — As Abelhas do Conhecimento e O Mistério do Monte Dikte…

Órion levantou-se; uma montanha sobre os mares lunares. Ele ficou de costas para mim e cruzou os braços como se mergulhasse para dentro de si ponderando as coisas. — É incrível como ganhamos novas perspectivas quando contamos as nossas histórias! — Eu permaneci sentado — heroicamente sentado como se o próprio Rodin tivesse me posto ali — e Órion apenas começou a gerar as suas imagens que fariam chorar os historiadores e arqueólogos, enquanto eu resistia heroicamente a toda e qualquer beleza milenar:

— E foi isso que eu ouvi, palavra por palavra, mas como se elas viessem da superfície e eu estivesse nas profundezas da terra… Por que é que os oráculos devem soar tão ébrios, Nim? — Era a manhã seguinte do ocorrido na caverna.

— Porque senão não seriam oráculos, Hyron! E sim meros conselheiros — ela riu. — Mas, “E um dia A Deusa: será suplantada…”, será que isso tem a ver com esse novo Deus? Eu não deveria te contar isso, mas… — ela baixa o tom de voz — noutro dia eu estava abastecendo o incensário do Santuário de Dikte: Kato Syme [mapa], quando um enxame de abelhas invadiu o santuário. Se foi uma visão dentro de uma visão, eu não sei, mas, as abelhas voaram diretamente para a pira incensária e se imolaram mergulhando o santuário em uma densa fumaça que ardia os olhos como enxofre. Eu fiquei tonta, e o barulho era assustador do zumbido misturado ao crepitar das abelhas no fogo. Então todos correram da fumaça, mas ela estava em todo o lugar, mas eu estava sozinha no santuário, tudo aquilo era insano demais… Uma mulher, uma filha da Deusa, jogava uma pedra envolta em um manto vermelho dentro de uma ampulheta de areia, enquanto a própria Deusa acalentava, em um lugar oculto, uma criança com uma penugem prateada na cabeça. Então a ampulheta de areia fumegou e começou a expulsar pedras rubras, e a Deusa chorou um pranto tão ácido que matou quase todas as plantas onde as lágrimas caíram… Eu acordei sozinha e com uma sensação estranha de arrependimento que não era meu; o incensário ainda queimava algum incenso afogado pelas cinzas, cinzas demais…

— …

— Estão me esperando no Palácio de Knossos! Eu tenho que ir, Hyron. E toma cuidado; eu sei que vais voltar ao Monte Dikte assim que eu me for. — Ela se despede com um beijo na testa dele.

O jovem Órion cavalgou pelos campos até o vale do Monte Dikte na direção da Caverna Psychro. Vestia um colete de couro com tiras paralelas de cobre flexível que corriam do meio das costas passando sobre cada ombro até o peito, braceletes de bronze com revestimento interno de couro, sandálias com perneiras de couro, um kilt de tiras de couro e a sua espada de bronze na cintura. — Uma vestimenta bem avançada para a época. — Mesmo sem o porte gigantesco o jovem era carregado de alguma imponência — ou era apenas a imprudência jovial —, entrando na caverna sem qualquer receio e sem sequer sacar a espada, indo direto ao fundo da caverna, num silêncio completo, um brilho dourado o guiava. Alcançado o objeto: um escudo de bronze, ele deu uma boa olhada ao redor com a sensação de que havia ali algo mais do que sombras e rochas… “Um oráculo? Um Deus?”, ele pensa consigo. Mantendo o silêncio reverente ele saiu da caverna podendo observar à luz a riqueza de detalhes dos entalhes feitos no escudo, e o desenho de um labrys no centro. Havia uma impressão de já tê-lo visto antes, porém, um dos lados do escudo estava sulcado por marcas de dentes, o que o lembrou do ocorrido em Monastiraki.

De tarde, de volta a Vathypetro, o jovem encontra seu pai e seus irmãos de regresso, juntamente com parte da comitiva como de costume.

— Vejo que sair um dia de casa desarmado te deu uma lição melhor do que eu jamais poderia dar-te, meu filho! Estás indo à guerra, ou caçar chacais, Hyron?! — E gargalhou sacudindo os ombros do rapaz. — Nim me contou tudo… — mudando bruscamente para uma expressão séria.

Os irmãos mais velhos se amontoaram para pilheriar com ele, mas também o congratulando por ter salvo Nim.

— Esse escudo não é feito pelos artesãos de Monastiraki? — Mikos, o pai de Órion, apanha e examina de perto o escudo. — Não estás vindo do Monte Dikte? Como…

— Eu sei, pai… O homem que foi atrás dos chacais os seguiu até as Montanhas Brancas… São 130 Km de distância até o Monte Dikte! Se ele tivesse mudado a rota e ido atrás dos chacais até lá, alguém o teria visto por aí, sem considerar que isso é mais que um dia inteiro de caminhada sem descanso. Não faz sentido!

— Hyron! Eu quero que venhas comigo. Eu tenho uma surpresa para ti!

— …!!



“Nós, que somos homens do conhecimento, não conhecemos a nós próprios; somos de nós mesmos desconhecidos; e não sem ter motivo. Nunca nós nos procuramos: como poderia, então, que nos encontrássemos algum dia? Com razão alguém disse: ‘onde estiver o vosso tesouro, lá estará também o vosso coração’. Nosso tesouro está onde se assentam as colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre no caminho para elas como animais alados de nascimento e recolhedores do mel do espírito, preocupamo-nos de coração propriamente de uma só coisa — de ‘levar para casa’ algo. No que se refere, por demais, a vida, as denominadas ‘vivências’, quem é que dentre nós se preocupa a sério? Quem tem tempo para se preocupar? Jamais temos prestado bem atenção ‘ao assunto’: ocorre precisamente que não temos ali nosso coração — e nem sequer nossos ouvidos. Mas assim como um homem divinamente distraído e absorto em si mesmo acorda sobressaltado, quando o sino acaba de dar fortemente as doze badaladas do meio-dia, e pergunta a si mesmo: ‘que horas são?’, igualmente nós abrimos às vezes os ouvidos depois de ocorridas as coisas e perguntamos entre admirados e surpresos: ‘o que sucedeu conosco?’ e ainda mais: ‘o que somos nós?’, e depois contamos com atraso as doze badaladas de nossa vivência, de nossa vida, de nosso ser — ah! e nos equivocamos na conta… É que somos fatalmente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos de nos confundir com os outros, e para nós eternamente haverá esta lei: ‘cada qual é para si o mais estranho!; nem quanto a nós mesmos somos de qualquer forma conhecedores’.” *
[NIETZSCHE, Friedrich W. A Genealogia da Moral. "Prefácio. § I"]

* A construção desse texto é uma adaptação minha de duas traduções diferentes. Noto que algumas traduções das obras de Nietzsche acabam dispersando as imagens poéticas do texto original, ou por terem de diferenciar-se entre si devido à proteção por direitos autorais, ou pela inclusão do estilo do tradutor durante a transcrição do original. Infelizmente isso gera certa descontinuidade no fluxo do pensamento e acaba muitas vezes por roubar até uma imediata inteligibilidade do que está sendo dito.



A Deusa: O culto das Deusas, de maneira genérica, associa-se basicamente a três aspectos: psicológico, geofísico e econômico. O aspecto psicológico engloba a veneração dos antepassados pela geração materna — A Grande Mãe —, descobertas datam indícios de 300.000 a.C.. O aspecto geofísico está ligado à veneração pela natureza — a cor vermelha ou ocre, associado ao sangue menstrual e ao poder de dar a vida; a lua; as estrelas; etc. — O aspecto econômico está ligado à produção material: a sobrevivência da comunidade garantida pela abundância proporcionada pela fertilidade da terra.

Eu não deveria: Tudo o que se passava em um templo de culto à Deusa era tido como sigiloso e apenas se referia aos iniciados.

abelhas: Há uma associação com o mito do nascimento de Zeus, em que Melissa, ninfa que havia ensinado os segredos do Mel para as abelhas, também alimentou Zeus juntamente com a ninfa Amalthea. As duas eram filhas de Melissus, lider dos Kouretes, guardiões do infante Zeus. Provavelmente Melissus e Melissa eram mitos antigos da ilha, posto que o mel era uma iguaria, e esses mitos foram incorporados por alguns mitógrafos mais tarde ao mito do nascimento de Zeus. Uma provável origem desses mitos antigos da ilha pode estar ligado ao consumo de mel fermentado que se torna uma substância enteogénica.

labrys: Machado de duas cabeças utilizado no culto à Deusa. No período minóico os labrys eram empunhados apenas pelas sacerdotisas em ritos cerimoniais. De todos os símbolos religiosos da época esse era o mais sagrado. Encontrar um artefato desses nas mãos de uma mulher significaria que ela possuía uma importante posição social. Muitos foram encontrados no sítio de Knossos, alguns maiores que um homem, eram utilizados no sacrifício de touros. Neste ponto torna-se inevitável que eu amplie as diversas associações que derivam do tema do culto à Deusa e as mudanças que sofrem os mitos de deidades femininas com a ascensão dos sistemas patriarcais. No “Vaso de Perseu”, que está em Berlin e data de 570–560 a.C., há a seguinte cena pintada: Hephaestus, como no rito cretense, prontamente abre a cabeça de Zeus para libertar Athena, filha de Metis e Zeus, que havia sido engolida por ele para evitar que fosse destronado por seus descendentes que teria com certa mulher, como profetizado por Prometheus. Sobre o ombro de Hephaestus estava o instrumento que ele usara: o machado de duas cabeças. O instrumento mais comum utilizado por Hephaestus era a marreta de ferreiro de duas cabeças, então este simbolismo do machado é importante. Zeus engolindo a Deusa simboliza a progressiva supressão da crença nas antigas tradições matriarcais, simbolicamente destronando a Deusa, porém, ainda assim permitindo Athena nascer do próprio Zeus, devido à adoração da Deusa ser tão difusa e impossível de ser contida ou erradicada. Então quando associamos o fato de o touro ser um símbolo de Zeus — lembrar do sacrifício dos touros na Creta Minóica —, e o fato de Hephaestus, o deus do ferro, personificar um consorte da Mãe Terra em mitos mais antigos, fica claro o motivo de ter sido usado o Labrys para libertar Athena: uma manutenção do rito nessa transferência simbólica. No Oriente Médio e em outras partes da região, armas similares foram empunhadas por divindades masculinas e de alguma maneira elas se tornam um símbolo do raio (relâmpago e trovão). Exemplos são: o Deus Nórdico Thor e Indra. Zeus também empunhou uma arma de raios que ganhou dos Ciclopes como gratidão por tê-los libertados de Cronos; arma que havia sido escondida por Gaia, a Mãe Terra. Abaixo está um Labrys da era minóica.



Monastiraki: Ver: Admirável Mundo Novo… (Parte X) — A História de Órion… (Parte II) — Mistérios e Mitos Através dos Tempos…

130 Km: As medidas espaciais, de tempo, etc. eram, obviamente, diferentes das nossas medidas correntes e foram adaptadas no texto para facilidade de entendimento.

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