Prólogo

É aquela velha história…
Vampiros fingindo ser humanos fingindo ser vampiros…

Mas a maioria dos missivistas estão mortos…
O Theatre des Vampires há muito desfeito… — Nada poderia ter sido tão maravilhoso como Arte e repugnante como Conceito Ideológico…
Os Antigos dormem, ou apenas perderam o interesse pelo que tem Substância Material… — Recuso-me a falar dos que enlouqueceram…
Os que se fizeram de Heróis, um dia, foram tragados por uma Escuridão de Dúvidas e abarcados pelo que se revela sem abandonar o seu Mistério… — O Desespero Silencioso é um dos acometimentos mais terríveis sobre qualquer tipo de existência.




Então eu não estou aqui para ser herói, ou qualquer coisa assim… Eu sou um Pretexto para a Poesia… foi assim que fui concebido… foi assim que consegui manter alguma Sanidade…
Não que eu seja imune aos Lépidos Desesperos Devoradores de Alma… mas eu sempre fiz de tudo para me manter em movimento, no fluxo das coisas, desde antes de ser entregue ao Irremediável Poder das Trevas… — um dia eu conto essa história…
É por isso que eu continuo… e vou continuar até que o Sol devore este nosso Planetinha, vocês vão ver. E se quiserem ver mesmo… bom… vão ter de implorar por uma mordida…

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Admirável Mundo Novo… (Parte VIII) — O Despertar do Gigante…

…mas mesmo alguém como eu, com a eternidade como consorte, não tem tempo a perder com desmaios…

Uma pequena batida no solo com a palma da mão foi suficiente para me jogar para cima novamente em pé, estralando os ossos do pescoço totalmente enfurecido; eu sabia…

— Devo parabenizá-lo por me acertar, poucos conseguiram. Mas um ataque pelas costas te rouba um pouco do mérito… só um pouquinho. — Mostrei o meu sorriso que mais parecia uma mordida e um rosnar, ao falar com o Dom da Mente.

…eu sabia que algo havia se aproximado por trás de mim. Eu só não quis acreditar. Eu havia transformado a Lua em um Santuário, em uma Fortaleza sem muros, mas impenetrável; um grande erro. Então eu estava frente a um abençoado com a terrível maldição do Dom das Trevas: um vampiro com quase dois metros e meio de altura coberto com a pele de um leão como se fosse um manto. A juba vasta e dourada adornava seus ombros largos demais, e como se a fera o tivesse abocanhado a cabeça, o semblante da ira leonina o protegia como um elmo. Na cintura, sobre o saiote de tiras de couro, pendia uma espada curta, e as botas de couro macio forradas de pele iam até quase os joelhos. De longe ele me encarava fixamente e eu quase não acreditava em suas proporções.

Ele começou a olhar as próprias mãos e os braços, procurando algo que não estava mais lá, como se a tecedura da realidade tivesse de ser vertida antes de assimilada. Disse em minha mente voltando a olhar para mim:

— Pensas alto demais homenzinho, és sempre tão descuidado assim? — ele riu dentro da minha cabeça. — Deste-me sonhos antes do meu despertar. Vens de um mundo completamente diferente do meu e ainda assim conheces Akasha?! Asclepius te mandou aqui?

— A recepção não é uma de tuas virtudes, certo? Primeiro me atacas pelas costas, depois começa uma conversa e nem ao menos te apresentas?!

Órion é meu nome. — Mas ele projetou o nome em minha mente no alfabeto derivado das antigas línguas indo-européias, o qual existe há mais de 3.000 anos: Ωρίων. — Asclepius… foi ele mesmo?

Eu fiquei calculando a idade dele… pelo que havia dito até então, pela sua força física e estranhas vestimentas. Órion… não havia como não fazer as várias associações com a mitologia. Havia ele se revestido do mito? …ou de alguma forma teria inspirado poetas e mitógrafos pelo mundo? Minha única conclusão sábia fora a que eu deveria evitar um confronto direto com ele. Eu me encontrava em tremenda desvantagem. Eu não sabia o que era pior: ele ser tão antigo quanto Akasha, ou ter sido alimentado com o poder daquele sangue primevo. Porém ele poderia apenas estar usando o que havia roubado de minha mente.

Então ele tentou penetrar em minha mente novamente, mas eu o rechacei com uma imagem: um livro negro se fecha, e o meu nome em vermelho sangue está escrito na capa; eu o atiro em sua cara e ao mesmo tempo faço o livro se incendiar. Ele recuou um passo atrás cobrindo o rosto com a mão esquerda. Eu nunca havia visto isso acontecer antes: uma imagem se misturar com a realidade a ponto de ser tão convincente. Respondi:



— Nunca ouvi esse nome antes.

— Endímion… — um tanto quanto perplexo pelo choque contra a força da imagem. — Como foi que chegaste aqui? De que foges?

— De nada fujo eu! Na verdade eu vim em busca, apesar de que não saiba do quê exatamente… Talvez simplesmente busque: uma nova perspectiva; ou apenas uma nova obsessão…

E assim, estávamos conversando sem palavras ditas, mas projetadas mentalmente como se fossem, com entonação e cadência. Afinal, a noite poderia ser eterna. Era muito fácil esconder-se do Sol na curvatura do pequeno satélite, — ou poeticamente: nas curvas de Diana; mas a força de Apolo era lá dez vezes maior sem a proteção do Manto de Gaia. Continuei:

— Eu vim em busca de um desafio. Por pura luxúria eu vim em busca de uma divindade, de um ideal. Eu vim em busca de minha própria destruição, e eu vim em busca de inspiração, também. Quando enfim cheguei não soube o que fazer, tive vontade de gritar, mas não podia… tudo me pareceu uma grande tolice. Tudo o que encontrei foi o Silêncio, um dos mais completos silêncios que já experimentei. E o Silêncio… na verdade é a minha divindade favorita… e não pode ser outra coisa senão uma divindade feminina que me beija na boca e me cala numa excitação casta, doentia e viciosa. Quase sinto raiva pela provocação, se não a amasse: ela me lambe na face e diz “ama-me” sem quebrar a magia do silêncio. Destarte gritar perdeu o sentido, e eu caí sentado na beira de um abismo, desperdiçando minha noite eterna com pensamentos voláteis como éter, desperdiçando minha eternidade em uma noite eterna que jamais terminaria como eu gostaria: no seio de uma Beleza Suprema, um Ideal Indestrutível, nem que isso fosse um fragmento de uma coisa absurda e incompreendida que ousamos chamar de Verdade. Mobilizar-se em direção a isso que estou dizendo, ou manter qualquer esperança de alcançá-la, por mais inocente que seja, culminará em desespero… e a minha única salvação é dominar a verdadeira mágica de moldar os sentimentos e transformá-los em pura poesia… pois haveria uma outra linguagem para esse desespero? A única verdade é a de que somos capazes de enganarmos a nós mesmos com abandono e sinceridade… E se assim não fosse não haveria a tensão que nos faz sentir vivos: através da paixão, através do amor e através do medo… as nossas ilusões mais triviais entre tantas outras! Destarte engendramos nossa própria condenação e redenção unidas nessa ilusão e única concepção de vida que conhecemos até agora.

Órion, ainda com aquele olhar fixo, como se o próprio leão estivesse caçando em solo lunar. Porém, aquele olhar buscava uma profundidade ao estar, certamente, avaliando a minha força, aglutinando todas as informações possíveis. Por fim disse:

— Endímion! — disse como se fosse o Chamado dos Deuses. — Senta-te comigo à beira de um desses mares áridos e sombrios. Eu vejo uma lacuna em ti, um espaço imenso em que deveria haver alguma coisa, mas estranhamente esta falta te acrescenta.

— E o que acontece quando o Antílope aceita o convite do Leão para jantar? — e enviei-lhe uma imagem do traiçoeiro golpe que me pegara desprevenido.

— Oh, perdoa-me… eu ainda estava em uma espécie de sonho semi-consciente, e aquilo não foi nada além de um reflexo de proteção territorial dos que dormem. Eu não tenho nada contra ti. Devo estar dormindo há muito tempo… não sei que tipo de forças ainda me mantém em pé. Venha! — Ele estendeu-me a mão de longe e sorriu, suavizando aquela severidade natural que as espessas sobrancelhas e os contornos largos e robustos demais dão a um semblante.

Então empurrei gentilmente a gravidade para longe de mim ao erguer-me do solo, e em um milionésimo de segundo estava frente aos dois metros e meio de Órion, pairando na altura de seus olhos que demonstravam um pequeno espanto.

— Certo! — aquiesci. — Mas vais ter de me contar a tua história…


Órion: Mitologia Greco-Romana: Assim como a maioria dos antigos mitos que são cultivados mesmo antes da Grécia Antiga, existe uma quantidade enorme de variações para as narrativas das aventuras de Órion. Uma delas conta que Órion, filho de Poseidon (Deus dos Mares e irmão de Zeus) e Euryale (filha do Rei Minos de Creta), caminhou sobre as águas até a Ilha de Chios, onde se embebedou e acabou violando Merope (filha do Rei Oenopion de Chios). Oenopion (filho do Deus Dionísio) vingou-se pedindo ao pai que enviasse os sátiros para colocá-lo em sono profundo, assim podendo cegar Órion. Ele foi expulso de Chios e vagou até Lemnos, onde Hefesto (o Deus manco do Fogo e da Forja que desposou Vênus) ordenou que seu servo Cedálion guiasse Órion até o extremo leste, onde Helios, o Sol, o curou. Órion seguiu, ainda com Cedálion em seus ombros, novamente a Chios para vingar-se de Oenopion, mas este já havia fugido e se escondido. Seguiu depois à Creta onde caçou com Diana e sua mãe Latona. Durante tal empreita resolveu que destruiria toda a besta sobre a Terra, e então a Mãe Terra opôs-se enviando um Escorpião Gigante no encalço de Órion. A criatura matou o caçador e Diana pediu a Zeus que o colocasse entre as estrelas. Zeus o fez, e também transformou o Escorpião em uma constelação. Outra versão diz que enquanto viveu como caçador com Diana, estivera para casar-se com ela. Apolo, com ciúmes da irmã, censurava-a, mas sem resultado. Um dia, maliciosamente, Apolo desafiou Diana, a Deusa-Arqueira, a acertar um ponto distante que se movia no mar. Diana venceu o desafio, porém mais tarde veio a descobrir o corpo de Órion na praia ferido fatalmente por sua flecha. A Deusa, vertida em lágrimas, situou Órion entre as estrelas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário